segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Dias #10 e #11...Por fim, o deserto e o fim...


Claro está que não cumpri a promessa de terminar este relato dentro do ano das comemorações do quinquagésimo aniversário da 4L…Assim sendo, este blogue, com este tema, entrará em hibernação já durante o ano #51 de vida da mais espectacular, fabulosa, apaixonante e incontornável Renault 4 (desculpem lá, mas estas baboseiras pirosas tinham que ser ditas)!!!
A animação já não é muita; tanto hoje, enquanto escrevo, como naquele dia 22 de Julho, em Bagnères-de-Luchon. Após os croissants matinais da ordem, em menos de uma hora atingiríamos a fronteira franco-espanhola Fos (fr) – Les (es), perdida na imensidão dos Pirinéus. Para trás ficava uma semana de viagem que recordarei sempre (enquanto tiver memória…) como um dos melhores momentos de vida que qualquer mamífero provido de razão poderá aspirar: viajar na companhia de um grande amigo, ao volante de uma velha paixão em direcção à concretização de um sonho, que muitos (onde me incluo) julgavam e julgaram como loucura e demência. Afinal, tudo não passou da nossa “straight story” em que a velha Laranja ocupava, com muito brio, o lugar do velho cortador de relva celebrizado do filme do David Lynch. Bastou acreditar.


Bagnères-de-Luchon, a partida.

Como seria de esperar, a “depressão” cedo se instalou no interior da VZ até que passássemos a fronteira. Para que não faltasse nada, o céu continuava carregado de nuvens negras. De repente, 10 dias de route esfumavam-se numa fronteira fisicamente imperceptível, onde apenas uma placa na berma com o nome España escrito a branco sobre fundo azul e emoldurada por 12 estrelas amarelas, era a prova que França…já era! A “depressão” dava lugar a uma raiva miudinha…



Pirinéus catalães, Pont de Suert.

No entanto, a paisagem não parava de “crescer”. Pena era que, os nossos sentidos, não conseguissem atingir o discernimento suficiente e necessário à apreensão da mesma, tal era o fantasma do regresso. Quereríamos estalar os dedos e aparecer em Lisboa? Quereríamos começar a programar o próximo aniversário da velha e trabalhadora senhora? Quereríamos voltar para trás e derreter mais uns euricos?? Eu não tinha respostas. Logo, siga em frente! E logo….de seguida, a primeira bofetada sem luva branca: um mega engarrafamento para atravessar o pueblo de Les! Motivo: obras. Obras, pois claro! As tais obras feitas com os dinheiros dos outros, que nem sabemos quem são. Definitivamente entrávamos na África sobre-sariana. E tudo era mais difícil quando sabíamos que a entediante França, sem população, estava nas nossas costas a uns escassos 6 km…
Com cerca de 1 hora de viagem desde Bagnères, já acumulávamos igual conta de atraso em relação ao programado. E aqui o programa estava bem definido: um “tiro” até Galapagar, na vizinhança Norte de Madrid, onde pernoitaríamos em casa dos nossos grandes amigos Jorge, Vicky e Ayrton. Entre Bagnères e Madrid não haveria espaço nem tempo a outras histórias. Apenas tínhamos que cumprir os mais de 700km programados e tentar chegar a horas decentes para jantar com os nossos amigos.
Deixando Les para trás, reabastecíamos em Vielha e Mijaran e atacaríamos a última e valente subida “pirinesca”. Sempre com muito esforço e sempre com muito sucesso! Com os Pirinéus a desaparecerem no retrovisor, o pára-brisas mostrava-nos a infinita Planície. 

                               
Testemunho para posteridade: o preço do petróleo nos Pirinéus. Vielha e Mijaran.
Daqui para a frente, daqui para Sul. O "tiro".






Mérida estava no horizonte mais do que longínquo. Alias, a partir daqui e a 90 km/h, tudo se afigura num horizonte mais do que longínquo. As referências próximas evaporam-se no calor e a sensação de estarmos parados no meio do deserto é mais do que real; é surreal. As horas passavam, ultrapassávamos Saragoça, Guadalajara mas parecia que Madrid seguia à nossa frente e a uma velocidade maior. O entardecer da Península começava a nascer e o calor fazia-se sentir  numa só tarde tudo aquilo que não se sentiu em 10 dias. Madrid, nem sombra dela. Como se por aqui existissem sombras.
Até que, ao longe e ao fundo, vislumbramos as Cuatro Torres!! Os 4 edifícios mais altos da Península Ibérica provavam a nossa aproximação a Madrid. Por esta hora, já os nossos amigos anfitriões deviam estar mais do que arrependidos por nos terem convidado a pernoitar, pois já levávamos mais de 2 horas de atraso em relação ao previsto e apenas tínhamos efectuado paragens para gasolinas, sandes de presunto ibérico e para o Palma fotografar profissionais do lazer, de origem colômbio-venezuelanas, nos motéis “à beira da estrada”.

Duas Espanhas; Quatro Torres. Por fim Madrid.




Não foi difícil entrar no emaranhado de autovias e autopistas dos arredores de Madrid para atingir Galapagar. Mas só não o foi porque a VZ dispunha de 3 aparelhos de GPS! Curiosamente, todos davam a mesma informação! Urgia um Viva à Finlândia!
Chegámos!!! Chegámos a Galapagar! Jorge, Vicky e Ayrton esperavam-nos pacientemente! E que bem recebidos fomos!! Inesquecível!! Depois do belo aperitivo caseiro, fomos jantar fora. Passava das 23 horas e as ruas estavam repletas de gente! As esplanadas cheias e arranjar lugar para jantar, não foi tarefa fácil. O calor nocturno apelava à conversa e a cervejita. Em menos de 24 horas a Laranja tinha-nos transportado para geografias diametralmente opostas. Tão perto, mas tão loge!
Infelizmente, havia que recolher; na manha seguinte havia que fazer outro “tiro” de 700 km até Lisboa.


...da esquerda para a direita: Iron Man-Martin, Ayrton, Seabra & Palma. Como fundo: a CC de 1988 e a VZ de 1973.

Sábado, dia 23 de Julho. Sol, calor, despedidas e regresso à pátria. Escorial para trás, Lisboa para a frente. Não há que enganar. Paragem para esticar ossos e repousar a mecânica em Trujillo. Enquanto bebíamos um fino, as televisões mostravam-nos que estávamos a deixar o planeta ideal para, devagar, entrarmos no planeta real: um qualquer louco norueguês matava 70 ou 80 crianças num acampamento de verão.
Restava-nos levantar a cabeça, colocar a chave na ignição da Laranja, dar sinal de partida e regressar. A chegada ao mundo real deu-se por volta das 20.00h.





Trujillo, em cima e....para trás.

Portugal, em baixo e....para a frente.




Agora, vamos encerrar para balanço! E se 2011 teve um momento alto, esse momento terá sido o somatório dos dias atrás descritos! Talvez voltemos em 2021 ou, quem sabe, antes!

Bom Ano a todos! 

Special thanks to (ordem alfabética):

Ana Martins;
André Santos;
Asier Castellano;
Ayrton Martin;
Diogo Palma;
Fernando Seabra (pai e filho);
Filipe Peixinho;
João Silva;
Jorge Martin;
Onintza;
Pete Gumbrell;
Teresa Valadares;
Vicky Martin…

…e a todos os que perderam tempo a ler-nos e a ver-nos!

Very, very, Special Thanks to Fernando Palma & VZ (a Laranja)!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Dia #09...Les Pyrénées


Cinco meses para relatar 9 dias de viagem? E ainda faltam dois dias de relato até à tugolândia!! Assim, definitivamente, não dá. É este o ritmo que o país leva, mergulhado na inércia e na falta de produtividade. Para contrariar esta má imagem que vendemos lá para fora – juntamente com o Fado – propomo-nos, com responsabilidade e determinação, a fechar este maravilhoso relato antes do final do Ano! São metas duras as que se avizinham, pois relatar os dois dias faltantes em menos de 20 dias, não está ao alcance de qualquer um; ainda para mais sabendo que, os dois dias que faltam foram quase de “tiro”, por eutoestrada desde o interior dos Pirinéus até Lisboa. E, atravessar a Espanha por autovias e/ou autpistas tem muito que se lhe diga! Mas não nos desconcentremos no que aí vem.
O gráfico estatístico relativo às visitas aqui ao nosso blog represente bem este dia de viagem; Sempre a trepar ao início; sempre a descer para o fim.


Propúnhamo-nos a uma tirada algo ambiciosa caso a orografia do terreno se apresentasse vantajosa. Talvez percorrer cerca de 350 km e pernoitar no coração dos Pirinéus, bem junto da fronteira franco-espanhola. Logo, concluímos que o terreno não se apresentava vantajoso às características da Laranja e que para fazer tão poucos quilómetros iríamos derreter todo o dia!
Partida de Lamalou-Les-Bains (..e não de Los Angeles)

Tentámos ganhar algum tempo nas planícies do Haute-Garronne. Aqui a paisagem é imensa e a linha do horizonte parece-nos inacessível. Saídos de Lamalou-les-Bains, apontámos a Laranja em direcção a Castres, região de Toulouse. Os famosos campos de girassóis a perder de vista são a imagem de marca desta região. “Outra” das imagens de marca da região – sazonal, claro- não esteve presente: o calor. Felizmente! Pois nesta região as altas temperaturas são asfixiantes. Tempo ganho nas magníficas planícies da região sul de Toulouse, seguimos sempre pelas estradas secundárias, em excelente estado de conservação, bem como totalmente desertas. Aliás, se me permitem mais uma vez os parênteses, constatámos que a França é um país muito bem conservado mas tivemos alguma dificuldade em descobrir os habitantes. Tal e qual como Portugal…

Região Castres-Revel

Sorèze (Revel)











Região de Revel



hora da "bica". 

No meio dos campos de girassol, conseguíamos vislumbrar ao longe a imensa cordilheira dos Pirinéus. E é mesmo imensa!! A “estonteante” velocidade a que a Laranja nos transportava dava-nos tempo para percebemos, à medida que as montanhas cresciam que, talvez não tivesse sido a melhor opção de caminho sujeitar um veículo de 38 anos com mais de 200kg de carga a tal feito…Mas não havia volta a dar! O “muro” natural que separa a Europa da África estava ali mesmo á nossa frente! Palmadinha reconfortante no dorso do cavalo (leia-se volante) lá começávamos a “trepa”. “A”, julgava eu na minha defensiva ignorância…pois a verdade é que estávamos perante “as”…! O cenário tornou-se ainda mais tenebroso quando repentinamente escureceu, o nevoeiro apoderou-se de toda a montanha e uma chuva miudinha insistia em fazer os limpa-viros da Laranja trabalharem mais uma vez! O silêncio da montanha, potenciado pelo nevoeiro, completava o ramalhete. Não foram raras as subidas aos diversos “Col’s” em 1º velocidade, pontualmente brindada com uma 2ª velocidade. Não sabíamos se deveríamos fazer umas paragens para descaso da máquina ou se deveríamos despachar a cordilheira o mais rapidamente possível, até por a chegada da noite naquele dia parecia que tinha sido antecipada. O bom senso do Palma lá ia dizendo “epá, pára aí um pouquito…”. Parávamos, abríamos o capot para verificar eventuais danos no interior do vaso de expansão…mas nada! Tudo cool; tudo calmo! Parecia que a máquina fazia aquele percurso diariamente. Lá seguíamos nós, sempre a subir e perdendo já qualquer esperança que pudessem existir descidas. Por fim e para animar, a nossa sede por estradas secundárias levou-nos a perdermo-nos em plenos Pirinéus! O velho Michelin em paper-mode deixou de ter a escala e o detalhe necessário ao percurso escolhido e os GPS dos telemóveis apenas indicavam um ponto a circular sobre um “nada sobre uma superfície verde” nos mapas disponibilizados.

"ataque" aos Pirinéus, região de Saint Girons







Por fim, a derradeira descida....




Resultado: estrada sem saída nas entranhas da montanha, junto a umas cabanas para estadas de Inverno…Nem cães havia!! Meia-volta ao cavalo, voltar ao “ponto de partida”, referenciado no Michelin e procurar abrigo para pernoitar. Com isto teremos “queimado” 2 horas de viagem. A pressa para os descansos e o improviso levaram-nos até Bagnéres-de-Luchon, perto do famoso Col du Tourmalet, a menos de 7 km da fronteira com Espanha. Perto de tudo e ao mesmo tempo longe de tudo. Nesta pequena cidade “de Inverno”, o acolhimento foi maravilhoso. Mais um bom hotel parado no tempo dava-nos guarida. Ao jantar fomos servidos por uma simpática e muito bonita jovem Cabo-Verdiana e, em fim de viagem, a língua portuguesa dominou! 

Chegada nocturna a Bagnéres-de-Luchon



Descanso de parte da "crew"...



O esforço sobrenatural a que a Laranja foi submetida neste dia, só teve paralelo em grandiosidade, ao brinde paisagístico com que os nossos sentidos foram brindados. Mas…o cheiro do fim desta trip já andava no ar…
...Une bière s'il vous plait!!