quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Dia #08 - Gorges du Tarn...



Neste ritmo de escrita, arriscamo-nos a terminar o relato de “11 simples dias num chuvoso Julho francês”, por altura do quinquagésimo segundo aniversário da nossa querida 4L. Será que teremos sol para o 52º aniversário?
Este 8º dia de tour ou trip terá sido, porventura, um dos mais entusiasmantes do percurso. Provavelmente, a Laranja não diria o mesmo, dada a altimetria acumulada ao longo do dia. Estava a nossa Laranja longe, muito longe de saber o que lhe estaria reservado para o dia seguinte. Lá iremos (daqui a uns dias…). Espero que antes do tal 52º aniversário…
Para este dia estava reservado fazer grande parte do Val du Tarn, em pleno Parc National de Cévennes. Esta é uma área, do vastíssimo território francês, com baixíssima ocupação populacional e muito procurada por turistas para algumas práticas de desportos ditos radicais. BTT (VTT en francais…e também em Esposende), caminhada, canoagem (muita canoagem), parapente, são alguns dos desportos que por ali proliferam nesta altura doa ano. Como para nós, nenhum desses desportos se apresentava suficiente arriscado, optamos por calcorrear a região ao volante da Laranja.





f. 1-6: D998 (La Canourgue-Sainte Enimie)

Foi aqui que a nossa veia cinematográfica apelou a todos os nossos sentidos: - por favor, filmem isto! - Disse a veia aos sentidos. Parte do trailer (*) da nossa viagem começou a ser filmado aqui, em plena D998, à saída de La Canourgue. Espera-se que o filme fique montado na totalidade antes do sexagésimo aniversário da nossa querida 4L.



f. 7 e 8: D998 (La Canourgue-Sainte Enimie);
f. 9 e 10: D998 (La Canourgue-Sainte Enimie...com Sainte Enimie em vista)

Mal refeitos, em termos cardíacos falando, de tanta emoção visual que esta região nos oferece, eis que surge no horizonte próximo a fabulosa aldeia de Sainte Enimie! 4L atirada para a beira da estrada e toca a derreter o cartão da máquina fotográfica como se não houvesse amanhã, ou logo à tarde, ou mesmo almoço! O tempo urgia…mas que se lixe! Vamos visitar em força a aldeia! Enquanto percorria de forma solitária as ruelas do burgo – o Palma tinha seguido por outros “trilhos”- pensava, de forma mais que recorrente nesta viagem, “é aqui que quero morar!”. E queria mesmo!
Entretanto, o tempo passava e os quilómetros não. Dentro das 80 horas que se seguiriam deveríamos atingir Lisboa. A planificação prévia de ir tomar uma cervejinha a Monte-Carlo ficava cada vez mais “fora-de-mão”. Erro de casting óbvio que tomou com base de cálculo as potentíssimas 4GTL, de 34 CV e mais de 1100cm3…







f. 11 a 18: Sainte Enimie por dentro e com a concorrência do costume....

Sainte Enimie para trás e todo o vale do Tarn para a frente. Paisagem de dimensão indescritível, por desfiladeiros que, literalmente, não cabem na objectiva da Olympus. De pequenos, passamos a minúsculos. Valha-nos a cor do carro, caso contrário, ficaríamos perdidos para sempre naquela imensidão de paisagem.
Almoço, à beira da estrada e debaixo de um rochedo de altura infinita na região de Pougnadoires. Aqui, no mais limpo céu de verão, o sol não entra. Nunca entrou! Valeu-nos o minhoto Gazela, para fazer brilhar o desfiladeiro, bem fresquinho pela nossa geleira de fabrico…francês!






f. 19 a 25: Pougnadoires, e vinho verde!

De um lado do desfiladeiro do Tarn, o imenso maciço rochoso; do outro, pequenos aglomerados de casas campestres cujo único acesso eram pequenas embarcações para atravessamento do rio. Muitas destas habitações estão completamente abandonadas enquanto outras, permanecem com vida graças ao aluguer sazonal por parte de turistas que prescindem do óbvio.




f. 26 a 30: Pougnadoires - Le Rozier

Mas se estávamos à cota do Tarn, havia que transpor a cordilheira montanhosa, qualquer que fosse o nosso destino. Adivinhava-se, à partida, grandes dificuldades para a Laranja (**) enquanto o relógio não parava de nos lembrar que o tempo fugia. Um café em Les Vignes para retemperar forças e lá atacaríamos a impiedosa subida. Paragem para cliques fotográficos em Le Rozier e toca a continuar a subida infinita. Mas tudo o que sobe, calculamos que mais tarde ou mais cedo descerá. E assim foi e com prémio: este foi, nas regiões altas de Le Vigan, a contemplação do mar Mediterrâneo a Sul! Talvez estivéssemos a cerca de 50 ou 60 quilómetros da costa (na direcção de Montpellier) mas a vista era completamente deslumbrante e, ainda por cima, abençoada pelo Astro-Rei. Mais uma vez, a paisagem não cabia na Olympus e, mesmo no espaço virtual do nosso imaginário era difícil encontrar alojamento para tanto e tão bom!! O que vale é que o pára-brisas da Laranja nos limita os alcances sensoriais!


f. 27 a 30: A Laranja, a fenda e o Mediterrâneo...

E em sintonia com o Astro-Rei, também nós íamos “caindo” para a planície do Sul de França. Um tiro arbitrário no Michelin ditaria a zona de repouso. 





f. 31 a 36: D25, direcção Lodéve

E assim foi em grande estilo; o tiro saiu em Lamalou-les-Bains, uma pequena vila termal para os que fogem das confusões balneares de Béziers. E nós, como já somos gente de alguma idade, lá fomos até às termas. Mas sem direito a massagens!


f. 37 e 38: noite animadíssima de Lamalou-les.Bains...gente por todos os lados, bares e cafés "á pinha"....

(*) no passado fim-de-semana, durante um passeio de bicicleta entre Lisboa e Santarém, organizado pela Federação Portuguesa de Cicloturismo e que terá contado com mais de 600 ciclistas, fui abordado em plena prova por um companheiro. Este, cumprimentou-me e de seguida colocou-me a seguinte questão: “Thenay, diz-lhe alguma coisa?” A minha surpresa foi gigante! E ele acrescentou “Eu estava a reconhecê-lo, pois vi o filme!”

(**) Desilusão total para quem “adivinhou” grandes dificuldades para a Laranja, pois não houve quaisquer dificuldades! Prova superada com total êxito.

domingo, 9 de outubro de 2011

Dia #07, 3 departamentos, 3 regiões...


Mais um dia para devorar quilómetros! Mais um dia a ameaçar chuva. Confesso que a ameaça de chuva nos transmitia algum conforto…pois aquando da chegada do final do dia poderíamos usar “aquela” desculpa para não acamparmos. O espírito “super-cool” e “neo-hippy” das noites campistas em Thenay ainda nos atacava os ossos e criava alguma perturbação na mente. E quando se acorda numa quinta, com todo o conforto, com paredes, tectos, e um majestoso pequeno-almoço, só nos resta a tal reza secreta para que, ao final do dia, as chuvas do verão francês nos abençoem. E a reza ia funcionando…pois chovia quase o dia todo…
A sala de estar dos donos da casa estava transformada em “zona de refeições”. Partilhávamos a grande mesa de madeira, repleta com uns 600 croissants e compotas de toda a França com um casal franco-holandês, para o tal majestoso petit-déjuner. E onde há holandeses, há uma natural curiosidade pela Laranja. O motivo mais óbvio prende-se com a cor (o laranja é a cor da oficial da realeza holandesa). Também a matrícula suscita nesta gente alguma atenção, pois as antigas matrículas holandesas eram em quase tudo idênticas às nossas oldies. Também a nossa capacidade de falar francês impressionava esta gente que, por norma, não domina mais do que a língua materna. Somos “pretos” mas muito cagões e com razão!
Beaulieu-s-Dordogne | petit-déjuner com vista...

Carro carregado, elogios à máquina e às nossas capacidades linguísticas realizados, lá seguíamos com a tal ameaça de chuva. Destino: Sul, pois claro! Começava a aventura pelo Massif Central francês. Uma das áreas menos povoadas de França, com uma topografia muito difícil (a Laranja agradecia…), entre os 1000 e os 2000 metros de altitude e o atravessamento de 3 departamentos e igualmente 3 regiões de França. Auvergne, Midi-Pyrénées e Languedoc-Roussillon eram as regiões por nós atravessadas neste dia que comprovavam o nosso ataque ao sul.
A primeira paragem seria logo a uns escassos quilómetros da nossa partida matinal. Chegávamos à pequena vila de Bretenoux. Visita obrigatória ao mercado e às provas de queijos e enchidos que gratuitamente nos serviam (ou não fossemos tugas…). Só faltaram as provas de vinhos…mas como ainda não eram 10h da manhã, acabamos por optar pela “bica” enquanto desenhávamos o percurso sobre o Michelin.

Bretenoux (15) | Vila e mercado medievais. Como nós.





Pela D920 lá descíamos sempre abençoados pelos nossos secretos desejos em reza. E quando estes desejos nos caem (pelo interior do carro) sobre o pé esquerdo é sinal que, de facto, começa a chover com força.


D920 Aurillac-Montsalvy | Depois da tempestade, a bonanza no alcatrão...

Passávamos por Montsalvy, Entraygues-s-Truyère e Estaing. A fome apertava e havia que montar o pic-nic. Claro está que, o mesmo pic-nic começou no exterior e acabou de forma abrupta no interior da viatura. E não posso transcrever aqui o palavrões que nos acompanharam aquando do regresso ao carro.



D920 Aurillac-Montsalvy | Verdadeiros tesouros da "arqueologia auto". As velhas oficinas, ainda em funcionamento e isentas de avisos idiotas a mencionar "Esta oficina é Eco isto e aquilo..."



Mas, tréguas na meteorologia acontecem. E foi o que aconteceu durante a tarde. A Laranja secou ao sol enquanto fizemos um pit-stop num pequeno café de beira de estrada para…ver imagens do Tour!! Pois é…o Tour de France faz com que a França pare quase por completo aquando das transmissões televisivas dos últimos quilómetros. Se as vilas e aldeias francesas raramente têm gente pelas ruas durante o dia, imagine-se, durante esse mesmo dia, se houver uma transmissão televisiva do Tour…

Entraygues-s-Truyère | "Le café de la ville"..Tour au mur!


Entraygues-s-Truyère (12)...






Estaing (12)...


Para o final do dia estava guardada uma bela surpresa; a passagem pela aldeia de Sainte-Eulallie-d’Olt. Esta pequena localidade faz parte de um percurso de aldeias históricas francesas, à semelhança do que por cá existe. São locais mágicos onde desejamos que o planeta pare de rodar por alguns momentos e onde confirmamos que, sem qualquer dúvida, somos mesmo muito privilegiados!

Sainte-Eulallie-d'Olt (12)...






Aqui, reparem no Palma vestido "à verão"...francês!

Por fim chegámos a La Canourgue, pequena vila onde iríamos pernoitar antes de atacar as fabulosas e imensas cordilheiras montanhosas do Parc National de Cévennes.
Mas havia um petit problema; Estava um sol magnífico. Nada impedia a montagem de uma tenda num qualquer camping local. Olhámos um para o outro e em silêncio comunicámos: “este hotel routièr de 2 estrelas, que aparentava estar parado desde os anos 70, e que estava ali bem à nossa frente, teria boa pinta para acolher um carro dos anos 70 conduzido por 2 dinossauros da mesma época…” E tinha! Tinha chovido de manhã, também valia! Que se lixe a tenda!

La Canourgue (48)...





Estávamos cada vez mais perto de aqui chegar....

...o fim do mundo é em Entraygues-s-Truyère
...o gato com ar vadio, do topo, também é habitante do fim do mundo, mas em Sainte-Eulallie-d'Olt (12)...